Samstag, 23. Juli 2011

Foiçada


Amy Winehouse, cantora com um sobrenome dotado de uma sagaz ironia, morreu hoje aos vinte e sete anos. Um final que, sendo surpreendentente pela idade da cantora, faz todo o sentido, conhecido o seu passado auto-destrutivo, que o talento tende terrivelmente a provocar, e cuja história nos diz ser permaturamente fatal para muitos artistas.
Tomislav Ivic, Salvador Caetano, Maria José Nogueira Pinto, Sandro Angélico Vieira, Diogo Vasconcelos e, agora, Amy Winehouse. O último mês tem sido profícuo em mortes mediáticas, como se algo cósmico tivesse utilizado o reconhecimento destes seres agora falecidos para nos lembrar que não estamos a salvo e que se há distinção entre os famosos e nós, reles mortais, a culpa é da espécie humana. A morte, essa, não discrimina.

Freitag, 8. Juli 2011

Privado

Cruel é a vida em que as fantasias são recorrentemente derrotadas por uma severa realidade. Sou estudante de jornalismo, como os restantes autores deste blog, e há muito já se foi a delirante esperança, que durante largos anos foi por mim alimentada, de que o mundo jornalístico era, acima de qualquer valor, uma máquina informativa. Sempre fui céptico em relação a uma isenção moral completa quando se trata de negócios, mas o escândalo que levou ao fecho do News of the World teve um condão de me provocar sentimentos antagónicos. Surpresa não foi um deles. Ainda assim, uma certa sensação agridoce que temos quando confirmamos que estávamos certos em relação a algo que não queríamos estar: o estado do mercado jornalístico está de tal forma crítico que já não se trata de ignorar regras por dinheiro; há, em todo o escândalo, uma certa perversão que o senso comum, mais do que códigos deontológicos, devia controlar.Proponho, no entanto, que carreguemos o fardo de sermos optimistas numa altura necessária e em que dificilmente mais alguém o será. O desaparecimento de um tablóide não deixa de ser boa notícia. Sentimos, de repente, o ar ligeiramente mais puro. O optimismo que me propus carregar leva-me a esperar o seguinte: que uma consciência comum de limites entre as liberdades individuais e os negócios informativos seja forte o suficiente para, um a um, acabar com os ignóbeis órgãos de jornalismo cor-de-rosa e, desta forma, que as próximas gerações cresçam sem esta hierarquia de prioridades em que informações sobre a vida privada de famosos e familiares de vítimas de guerra assumem tal importância que as mais básicas condutas morais, não do jornalismo mas da vida em sociedade, são quebradas. Não me parece que seja exigir muito à espécie humana, não que percam o egoísmo, mas que não se aproveitem dele para exigir informações sobre os outros só porque não aceitamos que não somos perfeitos.

Diogo Hoffbauer Malheiro Dias

Freitag, 24. Juni 2011

Mandamentos

Fico honestamente impressionado com a espiritualidade da raça humana. Impressiono-me facilmente com coisas estúpidas, facto que ainda me surpreende um pouco por saber que vivi rodeado de coisas estúpidas toda a minha existência e que as minhas mais vincadas mudanças de personalidade foram todas forçadas pela minha consciência se aperceber cada vez mais da quantidade de coisas estúpidas que existem. Reparando eu ou não, as coisas estúpidas tentaram alterar a minha percepção mais básica do mundo, contaminando-me a razão e querendo-me fazer acreditar que as coisas estúpidas são as mais importantes. E com estas considerações fatalistas, passo-vos a falar de espiritualidade, um tema vago, enigmático, já devidamente documentado e, ainda assim, surpreendentemente polémico. Mas o engenho que possuo com as palavras e a consciência que tenho das suas limitações não me permitem aventurar de ânimo leve por um tema de repercussões filosóficas, metafísicas, científicas e religiosas. Fá-lo-ei com tempo. Por agora, inclinemo-nos um pouco sobre a percepção que as pessoas obtêm perante este debate espiritual.
O que as pessoas captam, antes de mais, é que pode haver vida após a morte. Pode haver. Isto, desde logo, acalma-as profundamente e põe-nas relutantes a alterar a sua perspectiva para algo mais prático, factual e, consequentemente, mentalmente mais reconfortante. Os grandes movimentos espirituais, nos quais incluo as religiões, surgiram todos de dois fardos essenciais: a ignorância e o medo de morrer. O povo Maia, diz-se, adorava e venerava o Sol, pela sua grandiosidade, importância, mas essencialmente pelo desconhecimento da sua origem. Os avanços astronómicos permitiram chegar à conclusão que aquele era um corpo celeste, como tantos outros, como o calhau em que vivemos, e como tal tem de haver algo que nos transcenda a nós e ao Sol. Se além de atentarmos a esta falácia interpretativa, tivermos em conta que o instintivo medo de morrer, enterrado na mais básica das consciências, nos afecta persistentemente, é fácil compreender o fenómeno espiritual. Digo espiritual, não religioso. A existência de algo superior ao humano é premissa aceite dentro de todos os movimentos espirituais, mas surge de formas diferentes. Para uns é um velho numa nuvem que promete felicidade eterna a quem passe infeliz pela terra, mas se porte bem; outros ressuscitarão num corpo de outro ser; outros acreditam apenas na capacidade meditativa que permita a elevação da mente um degrau acima dos demais, de forma a observar os conceitos de morte e eternidade com maior amplitude.
É importante registar que eu, como todos, também tenho um medo medonho da morte. Mas a vida não me assusta particularmente. A única razão pela qual eu tenho medo da morte é porque tenho cem por cento de certeza que significará o fim. Daí que os mais sagazes homens que já partilharam connosco as suas ideias tenham sido homens com uma consciência de finitude enraizada, destruidora, cancerígena. É preciso haver morte para haver bons pensadores e, nessa perspectiva, se o medo da morte significar consciência do fim, então há motivos para pensar que a morte, afinal, nos pode elevar o discernimento.
Mas não para uma larga maioria das pessoas. Na sociedade ocidental, há uma intolerância enorme à dor provocada por buracos espirituais, por dúvidas concretas de resposta inalcançável, pelo que há que tapar essa dor com histórias de moral, céus e infernos, vinhos e cobras, mares e maçãs, gafanhotos e cruzes. As pessoas aceitam estas histórias pela sua simplicidade, pela nobreza das suas palavras, pela importância dos afectos, pela perspectiva de vida eterna.
A religião anuncia o que o povo ambiciona: eternidade, bondade e ilusão, um conjunto irresistível que alimenta o ego e afoga perspectivas de verdadeira iluminação.
Contudo, a grande maioria das pessoas não tem nesta crença um verdadeiro alicerce de actuação moral. Têm, isso sim, a aparência. A distinção padronizada e simplificada do bom e do mau: roubar, beber e gozar é mau; ajudar, aconselhar e perdoar é bom. Aqui assenta a frágil e superficial perspectiva moral da sociedade moderna: uma mistura de valores religiosos e modernas circunstâncias, minada de frequentes desobediências e actuações de gosto duvidoso. É instável, mas acaba por ser confortável: não dá muito trabalho, é de certa forma indiferente o critério com que se interpreta este código moral, desde que a aparência lá esteja, e a vida pode continuar a correr com a sua desrespeitosa indiferença.
Limitar-nos à condição de seres cuja evolução permitiu ter uma perspectiva adulterada pela consciência daquilo que é o tempo, o espaço e nós próprios parece ser pouco ambicioso. Mas não convém esquecer um profundo egoísmo nisto tudo: a devoção à divindade nada mais é do que ambicionar ser uma. Ambicionar ser intemporal, desmedidamente sabedor e emocionalmente desapegado – precisamente as três propriedades que faltam ao ser humano para deixar de sofrer.

DIOGO HOFFBAUER MALHEIRO DIAS

Sonntag, 19. Juni 2011

O PECADO MORA AO LADO


O célebre vestido branco que Marylin Monroe usou na cena do metro do filme
"O pecado mora ao lado", de 1955, foi vendido, este domingo, por 3,2 milhões de euros, num megaleilão com peças de Hollywood, em Calabasas, na Califórnia.
O vestido de Marylin Monroe foi a peça que mais atenções concentrou, no leilão organizado pela Profiles in History.

Velho rezingão


Saramago teve o azar da ousadia. Uma ousadia bem mais burlesca que as dos demais génios literários.
Descansem os mais pudicos. Quando falo de ousadia, estou muito longe de referir as considerações que Saramago fez sobre o fenómeno religioso, mormente o judaico-cristão. As vozes que condenam tais blasfémias são incultas ao ponto de ignorar que aquilo que Saramago evidenciou já havia sido manifestado há muito tempo. O facto de Saramago ser condenado, no áureo e próspero século XXI, pelas suas hereges interpretações de episódios e ensinamentos bíblicos, choca se analisarmos cruamente, mas está longe de espantar.
Também não falo da presumida falta de portugalidade de Saramago. Apenas em Portugal o sentimento patriótico, herança inegável do nacionalismo colonial, se consegue sobrepor à grandeza literária. Quem leu Saramago sabe que este amou Portugal com desmedida gratidão. Quem absorveu Saramago sabe reconhecer que, navegando no mar de sarcasmo embriagante que são os seus livros, os grandes sobressaltos surgem exactamente nos momentos de reflexão, consideração, descrição, condenação ou exaltação do povo português. É a falar de Portugal, ou, mais sorrateiramente, do povo lusitano, que a escrita de Saramago mais atinge uma arrebatante perfeição expositiva. Bem vistas as coisas, Saramago – o escritor, bem entendido – só poderia ser português. A oralidade da sua escrita só poderia ter sido herdada da expressividade discursiva de um português. Um português fala sem parar; Saramago escreve sem parar. Parece-me indissociável.
Quando vos falo de ousadia, falo-vos de uma em particular que, pela raridade, merece que seja lembrada. A ousadia de Saramago foi nunca se ter refugiado na grandeza dos seus livros.
Passo a explicar: Saramago tem uma eloquência prosaica sem par na recente literatura nacional. Considerando a irreverência temática e gramatical, única característica captada pelos mais distraídos, à qual acrescentamos o sempre dúbio prémio da academia sueca, é natural a mediatização da sua figura. Aqui assenta o dilema: ou o escritor se esconde da esfera mediática, limitando a sua imagem pública àquilo que o seu engenho artístico concebe; ou, por outro lado, encara o mediatismo como um processo bidireccional, em que as suas palavras – de Saramago pessoa, não escritor – poderão ter alguma repercussão no povo que as ouve.
Saramago optou pela segunda hipótese. E, ao fazê-lo, fez o que todos fazemos perante outros seres humanos: construiu uma persona e deixou-se orientar por ela diante dos demais. A máscara que escolheu, essa, é questionável. O seu radicalismo trotskista é incomodativo, tremendamente irritante até, e o seu idealismo humano, ainda que louvável, é atípico num homem de tal sagacidade. Mas há sobretudo que destacar que Saramago optou por se expor com estes hiperbólicas assumpções, indo para além daquilo que foi a sua mensagem escrita, mais do que suficiente para o consagrar.
Dirão os leitores, sempre atentos, que não é rara a utilização da fama para a criação de uma máscara persuasiva. Discordo; este abuso é raro, sim. Entre os génios. E Saramago foi um. Mais um que se poderia ter abrigado no reconforto de uma obra reconhecidamente de excelência e de uma jornalista espanhola que tratava dele como de um marajá. Não o fez, ousou extrapolar a sua dificilmente superável palavra escrita com ideias faladas, e ter-se-á dado mal, pelo menos em Portugal, país que abandonou por não aceitar histórias de cobras falantes e insuspeitos milagres com a passividade desejada.
Era um homem terrivelmente exagerado. Provavelmente, nem sequer era boa companhia. Fez, porém, um estonteante malabarismo entre a fama e a eternidade. É importante separar, assim, valores distintos. Há valores humanos, políticos e espirituais. E há o valor literário. Se Saramago tivesse sido um ateu comunista, mas dos idiotas - e eles existem - poderia ser lembrado pela controvérsia. Mas a grande literatura tem a peculiar capacidade de sobreviver às mais apocalípticas histerias. E quando passar a tempestade que Saramago – humano - provocou com as suas acintosas apreciações, restarão sempre as lombadas beges de Saramago – escritor - para lembrar que aquele fervoroso e impertinente velho rezingão era, no fundo, um apagado sonhador.

Mittwoch, 8. Juni 2011

Volto. Até quando?...

Mais uma vez estou aqui.
O mesmo mar de outrora,
azul e cor-de-cinza.
Violácea, a paisagem.
E esta paz de espelho velho.

Desde menino vagabundo;
desde menino, indo e tornando.
Longe,
aqui me desejando...
Aqui,
longe e mais longe
o pensamento navegando.

Vagas, calai-vos!
Vagas,
deixai-me em paz!

Querer ficar e nem poder pensá-lo!...

Pedro da Silveira - Sinais de Oeste

Donnerstag, 2. Juni 2011

Dia do Pai




O Dia do Pai tem origem na antiga Babilônia, há mais de 4 mil anos. Um jovem chamado Elmesu moldou em argila o primeiro cartão. Desejava sorte, saúde e longa vida a seu pai.

Mittwoch, 1. Juni 2011

Decir Lluvia y Que Llueva

Um pátio qualquer de um prédio qualquer, numa vizinhança qualquer.
Este foi o ponto de partida – aparentemente banal – de Decir Lluvia y Que Llueva, espectáculo assinado pela Kabia, uma jovem estrutura do Gaitzerdi Teatro de Bilbau fortemente apostada na formação multidisciplinar e no desenvolvimento do trabalho de actor. Livremente inspirado no imaginário do poeta basco Joseba Sarrionandia, o espectáculo encenado por Borja Ruiz recupera uma memória infantil desse lugar – o pátio de um bairro, morada da imaginação, dos medos e brincadeiras de uma criança – para o converter num espaço misterioso e mágico, poético e onírico. Composto por uma série de poemas visuais meticulosamente coreografados, Decir Lluvia y Que Llueva cruza o teatro físico, o canto coral, técnicas acrobáticas e de clown para nos falar sobre a solidão, as paixões que se perderam, o desejo da felicidade “felicidade é dizer chuva e que chova” e as pequenas revelações do quotidiano.

Em Junho temos sempre motivos para celebrar


Mario Schifano